Há de ter sido entre 1932 e 1933. Werner, meu pai, aos 17 anos trabalhava na Casa PFAFF, na Dr. Bozano. Certa manhã chegou com uns 10 minutos de atraso, embora não por culpa sua. Ao entrar o dono da loja conversava com um cliente, tirou o relógio da algibeira e olhou bem nos seus olhos. Um olhar agressivo, mais do que de censura, olhar de imposição patronal. Meu pai foi-se à máquina de escrever e datilografou uma carta de demissão, simples e direta. O patrão despediu-se daquele com quem estivera a conversar, veio até a sua mesa e perguntou:
- Sabe que o senhor hoje chegou atrasado?
- Sei - respondeu-lhe - mas isso nunca mais vai acontecer.
Entregou-lhe a carta e se foi. Foi-se ao encontro de seu irmão mais velho, Walter Grau, e contou-lhe o que acontecera.
- Fizestes muito bem, disse-lhe meu tio. Assim temos de ser.
No dia seguinte, Rudolf Falkemberg foi à procura do tio Walter, insistindo em que meu pai retornasse ao trabalho, o que jamais se deu. O tempo passa e tudo vai que vai. Cada coisa ao seu tempo. Há um tempo para tudo, exatamente como escrito no Eclesiastes 3. O tempo foi caminhando, caminhando. O pai e a mãe se casaram, eu nasci, em 1943 ele prestou o primeiro concurso público do DASP e lá nos mandamos pelo Brasil. Bem no início dos anos 1950 para São Paulo.
Depois, anos 1970, os dois se foram para o Rio e lá fiquei (lá em São Paulo, porque agora escrevo em Paris!). Em 1963, San Tiago Dantas foi nomeado Ministro da Fazenda do governo João Goulart e convocou meu pai para exercer a função de Diretor Geral da Fazenda Nacional, cargo que acumulava as hoje desempenhadas, além de outras, pelos secretários da Receita Federal e do Tesouro Nacional. A cerimônia de sua posse no Rio de Janeiro é inesquecível. Após o seu encerramento foi levar algumas flores à viúva de Andrade Queirós, que já se fora deste mundo, contudo seu amigo para sempre. Antes disso, ao receber cumprimentos, aproximou-se um homem idoso e o abraçou afetuosamente. O pai não sabia quem era, porém durante esse abraço ele disse ao seu ouvido que o conhecera muito jovem, em Santa Maria!
- Meu nome é Rudolf Falkemberg. O senhor me deu uma grande lição nos anos trinta, lá na PFAF. Desde aquele dia eu sabia que o senhor haveria de ser um grande homem.
Não me farto de repetir que a vida é maravilhosa, de verdade. O que acabo de relembrar, aquele momento de afeto e fraternidade entre os dois, superpõe-se aos desencontros de ontem, unindo-nos, todos, se não hoje, amanhã, para sempre! Todos juntos reunidos, lá no céu!